Carta Capital

Clima, ESG e Capitalismo de Stakeholder

Marcos de Benedicto (Bene)
11 min readSep 27, 2022

--

Mudanças climáticas, como o próprio termo indica, referem-se a mudanças no clima que estão ocorrendo em todo o planeta e que apresentam efeitos que já podem ser vistos em várias de suas partes. Extinção de várias espécies, derretimento das geleiras e aumento do nível do mar são apenas algumas das consequências desencadeadas pelo aumento da temperatura global. A seguir, falaremos mais a respeito das mudanças climáticas e de como estas podem afetar a vida dos seres humanos e outros organismos do planeta.

O aquecimento global nada mais é do que uma intensificação do chamado efeito estufa. Esse efeito é um fenômeno natural e importante para a Terra, pois permite que o planeta fique aquecido, entretanto, a sua intensificação é prejudicial.

O efeito estufa acontece, pois na atmosfera há a presença de gases, chamados de gases de efeito estufa, que garantem que parte do calor que chega ao planeta fique retido. O aumento desses gases leva a uma maior retenção de calor e, portanto, ao aumento da temperatura (veja figura seguinte).

Quando falamos em aquecimento global estamos referindo-nos a um aumento anormal da temperatura média do nosso planeta. Para ter-se uma ideia, a temperatura média global de superfície aumentou aproximadamente 0,74 ºC nos últimos 100 anos, e pesquisas indicam que esse aumento está muito relacionado à ação do ser humano, que, ao longo dos anos, aumentou suas emissões de gases do efeito estufa, como o gás carbônico.

Acordo de Paris (2015)

O Acordo de Paris é um documento, assinado em 2015 por 195 países, que tem como objetivo principal a tomada de medidas para lidar com as alterações climáticas. Esse acordo firma o compromisso entre os países de lutar para que o aumento da temperatura média do planeta fique abaixo de 2 ºC dos níveis pré-industriais.

Para garantir o sucesso do acordo, cada país participante construiu seus próprios compromissos. No caso do Brasil, por exemplo, o país comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis, de 2005 até 2025. Para garantir que essa meta seja alcançada, o país comprometeu-se ainda a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética e a realizar restaurações de mais de 10 milhões de hectares de florestas.

De acordo com a ONU, para que possamos limitar o aumento da temperatura global para abaixo de 2 ºC, é essencial que o mundo transforme seus sistemas de energia, indústria, transporte, alimentos, agricultura e silvicultura. Percebemos, portanto, que os esforços não são pequenos e que há a necessidade de que todas as nações abracem essa causa, a fim de garantirmos um planeta melhor para a nossa e as futuras gerações.

“Fighting climate change is essential but not enough to address the nature crisis — a fundamental transformation is needed across three socio-economic systems: food, land and ocean use; infrastructure and the built environment; and energy and extractives.” (WEF — The Future Of Nature and Business)

IBERDROLA

Mas e como o ESG pode ajudar?

Vamos entender a sigla.

O “E” da questão: a proteção ao meio ambiente e a urgência no enfrentamento corporativo às mudanças climáticas

O impacto das mudanças climáticas no planeta é uma realidade documentada, não obstante eventuais resistências por parte de Estados e alguns sujeitos privados. As mudanças climáticas já ocasionaram um aumento de temperatura em diferentes partes do globo, gerando secas, enchentes, estações do ano pouco definidas e alterações nos mais variados ecossistemas, resultando em destruições e mudanças drásticas nas condições de vida principalmente de grupos vulneráveis, mas não somente. De acordo com a consultoria McKinsey & Company, em um cenário de aumento de temperatura global de 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais até 2050 em vez de 2030, aproximadamente uma em cada quatro pessoas será exposta às mudanças climáticas mais severas a partir do que já se tem constatado na atualidade”. É sabido também que o crescente número de zoonoses (doenças transmitidas entre animais e pessoas) também tem relação direta com os impactos ao meio ambiente22, trazendo o risco de novas pandemias globais nos próximos anos se não houver uma recuperação efetiva do meio ambiente em que vivemos. Percebe-se, portanto, a razão central de o “E” ser a primeira letra da sigla ESG: sem um planeta habitável, as demais letras perdem sua razão de ser.

A consequência de tais mudanças é clara: a ameaça à existência humana no planeta Terra em médio e longo prazo, ocasionada principalmente pelo aumento da temperatura global, este último provocado pela própria atividade humana especialmente após o período de industrialização. De acordo com Mary Robinson, as mudanças climáticas deixaram de ser mera “abstração científica”, sendo efetivamente um “fenômeno fabricado pelo ser humano” e com impacto direto na Humanidade.

Qual o impacto socioeconômico? Falando sobre o “S”

ACNUR

Se refere à relação de uma empresa com as pessoas que fazem parte do seu universo. Envolve preocupações com questões como: satisfação dos clientes, proteção de dados e privacidade, diversidade da equipe, engajamento dos funcionários, relacionamento com a comunidade, respeito aos direitos humanos e às leis trabalhistas.

Este tema pode ser dividido em 4 principais iniciativas:

  1. A proteção dos Direitos Humanos dos trabalhadores;

Condições laborais dignas para os contratados diretos e sua extensão para toda a cadeia produtiva.

2. O papel dos programas de diversidade e inclusão;

É estatisticamente comprovado que empresas que investem em programas de diversidade e inclusão de diferentes grupos são mais propensas a ter maior rentabilidade do que empresas com grupos homogêneos de pessoas. Em estudo desenvolvido pela consultoria McKinsey & Company com empresas latino-americanas, as corporações que têm em sua essência programas de diversidade e inclusão contam maior retenção dos funcionários, tem melhor relacionamento entre colaboradores e lideranças e maior abertura para inovação e aumento de produtividade.

3. A proteção dos Direitos Humanos das comunidades afetadas pelas corporações;

A importância da atuação preventiva e da mitigação de riscos

Um dos preceitos básicos ao investigar os impactos causados por uma empresa é a análise de riscos sobre como o desenvolvimento de suas atividades tem afetado as comunidades locais e que vivem no entorno de suas plantas ou prédios, o que ocorre principalmente com as indústrias extrativistas, químicas, dos setores de petróleo e gás e empreiteiras de grande porte, que normalmente provocam com suas atividades repercussões ambientais e sociais relevantes.

A chegada de um novo empreendimento, independentemente de seu porte e de seu ramo de atuação, impacta o ambiente e a sociedade de seu entorno. Para micro e pequenas empresas, percebe-se, por exemplo, a alteração das relações com a sociedade local, e até mesmo com questões ambientais, seja de ordem visual ou auditiva. Para grandes empreendimentos, os impactos são mais robustos, vistos, portanto, em grande escala-tanto em relação ao meio ambiente quanto à sociedade como um todo.

4. A proteção dos Direitos Humanos dos consumidores;

A importância da atuação preventiva e da mitigação de riscos

Um dos preceitos básicos ao investigar os impactos causados por uma empresa é a análise de riscos sobre como o desenvolvimento de suas atividades tem afetado as comunidades locais e que vivem no entorno de suas plantas ou prédios, o que ocorre principalmente com as indústrias extrativistas, químicas, dos setores de petróleo e gás e empreiteiras de grande porte, que normalmente provocam com suas atividades repercussões ambientais e sociais relevantes.

A chegada de um novo empreendimento, independentemente de seu porte e de seu ramo de atuação, impacta o ambiente e a sociedade de seu entorno. Para micro e pequenas empresas, percebe-se, por exemplo, a alteração das relações com a sociedade local, e até mesmo com questões ambientais, seja de ordem visual ou auditiva. Para grandes empreendimentos, os impactos são mais robustos, vistos, portanto, em grande escala-tanto em relação ao meio ambiente quanto à sociedade como um todo.

E como medir a efetividade das ações? Vamos falar do “G”

Um estudo feito pela consultoria McKinsey & Company concluiu que nos últimos 25 anos houve um aumento de 29% do investimento em ativos intangíveis de empresas americanas e europeias. Inclusive, notou-se que as empresas cujas lideranças investiram significativamente nos principais tipos de capital intangível durante a pandemia de COVID-19 foram capazes de manter os níveis de crescimento de 2019, ano anterior à eclosão da pandemia221. Tais medidas exigem das empresas mecanismos para acompanhar essas mudanças de representação de seu valor, tanto do ponto de vista contábil quanto mercadológico.

Considerando que os principais influenciadores da gestão de uma empresa ainda são os investidores, mas que no capitalismo de stakeholders outros grupos também têm papel significativo nessa dinâmica, como os colaboradores e consumidores, mudanças na área de governança se fazem essenciais na busca pela implementação de bons programas de ESG, sobretudo para acomodar os diferentes interesses do mercado.

Essa compreensão é também a balizadora da Teoria dos stakeholders222, que correlaciona a necessidade de consideração dos ativos intangíveis e a proteção de todos os sujeitos e atores envolvidos na atividade corporativa 223, com a criação de valor e sustentabilidade em longo prazo para o bom sucesso da empresa. Ao agir deste modo, as corporações evitam os riscos de sofrerem possíveis ações judiciais, boicotes e publicidade negativa, dentre outros atentatórios à sua reputação e valor de mercado.

A letra G se refere às medidas relacionadas à administração de uma empresa. Envolve composição dos conselhos, estrutura do comitê de auditoria, conduta corporativa, remuneração dos executivos, relações com entidades do governo e políticos e existência de canais de denúncias.

De orientação ao Lucro para o Capitalismo de Stakeholder

WEF 2022

Capitalismo de stakeholders -ou, em português, de partes interessadas- “é uma forma de capitalismo em que as empresas buscam criar valor a longo prazo, levando em consideração as necessidades de todas as partes interessadas e da sociedade em geral”. O capitalismo de stakeholders, consagra a necessidade de todos os sujeitos e atores contribuírem para o alcance de uma sociedade sustentável. Sendo assim, é também das empresas, independentemente de seu porte e ramo de atuação, o dever de buscar alternativas ao espectro de destruição planetária vivido pela Humanidade.

A definição é de Klaus Schwab, o homem por trás do conceito. Schwab fundou e é, desde sua criação, presidente executivo do Fórum Econômico Mundial, uma organização internacional para a cooperação público-privada que organiza anualmente um encontro dos principais líderes empresariais e políticos do mundo todo em Davos, na Suíça.

Antes disso, porém, ele era professor universitário quando, em 1971, discutiu pela primeira vez o termo em um livro intitulado “Modern Enterprise Management in Mechanical Engineering”. Schwab conta que o conceito já era parte do DNA das empresas ocidentais no pós-guerra. Elas se viam como parte inserida na comunidade, com forte ligação com os clientes e fornecedores.

Naquela época, Schwab, nascido na Alemanha, refletia sobre a estrutura empresarial alemã, baseada em um respeito mútuo entre as companhias locais e as instituições do seu entorno, o que o ajudou a construir o conceito de “partes interessadas”. Isso acabou influenciando não só a Alemanha como os países do norte da Europa e embasou o estado de bem-estar social, em que empresas e cidadãos pagam impostos para financiar coletivamente educação, saúde e lazer, além de garantir o direito de aposentadoria.

O Duelo dos Três Modelos

O que entendemos hoje como capitalismo é o sistema que tem como objetivo maximizar os lucros de uma companhia para distribui-los a seus acionistas. O sistema capitalista surgiu com a decadência do sistema de produção anterior, o feudalismo, no século 15, e é marcado, entre outros pontos, pela transição do trabalho servil para o assalariado.

Em um texto escrito em 2019 para o Project Syndicate, Schwab afirma que precisamos escolher que tipo de capitalismo queremos e indica que essa resposta pode definir a era em que vivemos. Ele elenca então os três modelos:

  • “Capitalismo de acionistas”: o modelo que vivemos hoje na maior parte do planeta se guia pelo lucro e, ao longo de décadas e décadas, promoveu prosperidade, geração de empregos e abertura de novos mercados;
  • “Capitalismo de estado”: modelo em que o estado tem a tarefa de definir os rumos da economia e cujo principal exemplo é a China;
  • “Capitalismo de stakeholders”: modelo sugerido por Schwab que coloca as empresas como gestoras dos interesses da sociedade.

Ele diz, então, que o primeiro modelo cresceu à medida que a globalização fez romper os laços entre a empresa e seu entorno, mas hoje essa estrutura se mostra insustentável.

“Ao mesmo tempo, sindicatos, governos e outras partes interessadas da sociedade civil perderam muito de seu poder e influência, enfraquecendo ainda mais o tecido em que um modelo de partes interessadas poderia prosperar”, indica Schwab. Ele diz que isso fez com que mesmo países que aderiram ao conceito de stakeholders como princípio de governança, viram enfraquecer suas instituições enquanto as empresas ficavam mais fortes.

A Materialidade

O que é materialidade? Material é tudo aquilo que é relevante do ponto de vista da empresa e de todas as suas partes interessadas (stakeholders): colaboradores, clientes, consumidores, fornecedores, ONGs, entre outros.

O conceito de materialidade se baseaia na construção e aplicação da matriz de produtos para representar e classificar em ordem de importância os temas determinantes para a realização de atividades de um negócio, de acordo com os interesses de seus distintos stakeholders. Para isso, e necessário introduzir a modos de analise, de forma sistêmica, as diferentes dimensões de uma organização, seus produtos ou serviços, através da compreensão de sua cadeia de valor e modelo de gestão. Por fim, a preocupação com riscos (prevenção, gestão e mitigação) que todo negócio deve ter, tendo como diretriz a adoção de boas práticas ESG.

GPTW

17 ODS (Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil)

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Estes são os objetivos para os quais as Nações Unidas estão contribuindo a fim de que possamos atingir a Agenda 2030 no Brasil.

https://brasil.un.org/pt-br/sdgs

Mas em que momento estamos nesta discussão?

A ascensão de novas gerações, mais preocupadas com o futuro do planeta, estão influenciando o debate e provocando questionamentos sobre a forma como consumimos, investimos e toleramos a maximização de lucros para acionistas.

A característica mais importante do modelo de stakeholders hoje é que as apostas do nosso sistema são agora mais claramente globais, diz Schwab.

Em 2019, Schwab lançou um novo “manifesto de Davos”, afirmando que era hora de as empresas assumirem seus compromissos com o pagamento de impostos, o combate à corrupção, a defesa dos direitos humanos em toda a cadeia produtiva e estimulou a criação de metas ESG.

Cinquenta anos depois do conceito trazido por Schwab, o capitalismo de stakeholders finalmente chegava às discussões globais. Um dos sinais mais significativos dessa mudança se deu quando Larry Fink, presidente da gestora de fundos BlackRock, afirmou em sua carta anual aos CEOs que sustentabilidade se tornaria um critério para avaliação de investimentos em 2020.

Foi o momento de virada. No Brasil, o impacto foi sentido em 2021: as boas práticas ambientais, sociais e de governança ganharam relevância nos negócios, e ESG se tornou um termo necessário no dicionário dos executivos.

“O capitalismo de stakeholders é uma forma de capitalismo em que as empresas não apenas otimizam os lucros de curto prazo para os acionistas, mas buscam a criação de valor de longo prazo, levando em consideração as necessidades de todos os seus stakeholders e da sociedade em geral.”

Fontes:

Mundo da Educação UOL; “Stakeholder Capitalism: A Global Economy that Works for Progress, People and Planet”; “ESG — Teoria a prática”; Fonte: “SBTi — https://sciencebasedtargets.org/”; “GPTW — Materialidade”; “WEF 2022”

--

--

No responses yet