Resenhas da Semana “Too Big to Know“ e ”The Shallows”

Marcos de Benedicto (Bene)
10 min readNov 11, 2023

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Resumo — Too Big to Know

A Rede do Conhecimento

O problema não é a sobrecarga de informação; É falta de filtro.

O Conhecimento Tradicional

Até a chegada da era digital, a maioria das pessoas aceitava um sistema padrão de conhecimento. Os alunos estudavam matérias, recebiam credenciais que provavam a sua proficiência e tornavam-se especialistas. Então colocavam o seu conhecimento em prática, realizando pesquisas e escrevendo livros e artigos para compartilhar suas descobertas e conclusões. Outros especialistas avaliavam os seus trabalhos e os consideravam precisos ou equivocados. Com a chegada e aceitação de novas descobertas, estas se juntavam a um acervo de conhecimentos estabelecidos que fornecia o fundamento para a aprendizagem e exploração contínua. Ao longo da história, este sistema se baseou em papel para ser comunicado, até que a introdução da mídia digital mudou tudo. A mera abundância da informação online faz com que seja difícil discernir o que é verdadeiro do que é falso. Conforme as mídias digitais desafiam as crenças sobre o conhecimento, instituições como universidades, bibliotecas e laboratórios de ciências devem repensar a infraestrutura do conhecimento. …

Sobre o autor

O escritor de blogs David Weinberger, coautor do bestseller The Cluetrain Manifesto, é professor convidado do Berkman Center da Universidade Harvard, na área de Internet e Sociedade.

A máquina que desvendaria o futuro — https://www.cin.ufpe.br/~cjgf/TECNOLOGIA%20-%20material%20NAO-CLASSIFICADO/Maquina%20que%20Desvendaria%20o%20Futuro.pdf

Resenha: The Shallows — What the Internet is doing to our brains, de Nicholas Carr. Parte 1.

18 de junho de 2018 by Guilherme 26 Comments

Quantos livros você leu no último semestre (sem contar os livros cuja leitura tenha sido “obrigatória”, como os de faculdade)?

Você alguma vez já recebeu um email ou mensagem de WhatsApp e, minutos (eu disse minutos) depois, foi cobrado por, apesar de ter visualizado, não ter respondido “ainda”?

Você lê integralmente os textos que aparecem na tela de seu computador, tablet ou celular, ou faz apenas um escaneamento visual, identificando inicialmente quais são as ideias principais, mas depois apenas passando os olhos sobre o restante do texto?

Qual foi a última vez que você ficou uma refeição inteira sem olhar para o celular?

Quando o avião aterrissa, a primeira coisa que você faz é ligar o celular?

Você trabalha com quantas abas abertas ao mesmo tempo no navegador do seu computador?

Você já reparou que muitas pessoas, da entrada à saída do elevador, não olham uma única vez para as pessoas, concentrando-se 100% na tela de vidro do celular?

Pagamos um alto preço por querermos nos manter conectados o tempo todo, e não estou falando do preço financeiro, que é o menor dos males, mas sim o preço de nossa individualidade, de nossa capacidade de pensar de modo crítico, e de nossos valores mais humanos, tais como criatividade, reflexão e contemplação.

Há quase 10 anos, li uma vez, na Folha de S. Paulo, os comentários a um livro — The Shallows: What the Internet is doing to our brains (sem lançamento no português) — de um autor chamado Nicholas Carr, sobre os efeitos perturbadores que a Internet estava produzindo em nossos cérebros. Lembro como se fosse hoje: a matéria estava na última página (contracapa) do primeiro caderno, e ocupava uma página inteira.

Em resumo, o livro dizia que o modo como a informação era disseminada na grande rede mundial estava deteriorando nosso cérebro em um nível físico, destruindo as conexões e circuitos cerebrais responsáveis pela formação de pensamentos profundos e capacidade analítica de processar informações, com resultados perniciosos sobre a nossa memória de longo prazo, e também sobre nossa criatividade. Ou seja, a Internet estava deixando as pessoas menos inteligentes.

Confesso que, quando li o referido artigo, à época (idos de 2010), o achei um tanto quanto exagerado. Afinal de contas, o crescimento, a passos cada vez mais largos, da velocidade da rede, bem como da popularização dos serviços oferecidos por meio da Internet, estava facilitando — e muito, diria eu — a vida das pessoas. Naquela época, o iPad tinha acabado de ser lançado, as redes 3G começavam a se popularizar nos celulares, e os custos da Internet fixa estavam caindo cada vez mais, na proporção inversa da melhoria de velocidade nas infraestruturas das redes.

Acho que isso faz parte da natureza humana: é difícil mesmo ter um olhar “de fora” quando você está literalmente dentro da crista da onda.

Porém, gradativamente eu mesmo fui percebendo, ao longo dos anos que percorreram — e ainda percorrem — essa década, os efeitos prejudiciais que a exposição contínua à Internet pode fazer aos nossos cérebros, particularmente às nossas funções cognitivas que demandam capacidade de prestar atenção de modo contínuo.

Paralelamente a tudo isso, fui lendo livros e artigos que reforçavam essa constatação, até que, nesse mês de junho de 2018, cheguei à leitura do livro objeto da resenha de hoje — sim, aquele mesmo livro cujas ideias eu tinha achado meio “forçadas” há quase uma década.

Título: The Shallows — What the Internet is doing to our brains

Autor: Nicholas Carr

Páginas: 280

Editora: Norton

Lançamento: 2010

Sumário

Comecemos pelo fim: para quem não lê o livro, a conclusão da obra — a Internet como um perigo para nossas funções cerebrais mais nobres — choca pela sua originalidade, mas choca mais ainda para quem acompanha a linha de raciocínio do autor, porque você acaba se convencendo dos argumentos expostos na obra.

Essa linha de raciocínio é desenvolvida ao longo de todos os capítulos do livro, com base em inúmeros estudos científicos, conduzidos seja (a) por psicólogos, psicoterapeutas ou psiquiatras que estudam os aspectos sociais e emocionais do uso da Internet, seja por (b) médicos que fazem estudos no funcionamento do cérebro em níveis bioquímico e físico.

Em resumo, o autor conclui que a Internet está fragmentando nossa atenção, alterando a profundidade de nossas emoções e de nossos pensamentos, e diminuindo nossa capacidade de aprendizado.

A Internet está nos deixando, em certa medida, menos “humanos” e mais “robotizados”, ao menos no que tange à nossa inteligência.

Tecnologia intelectual

A Internet faz parte da categoria de tecnologias intelectuais.

Há 4 categorias de tecnologia inventadas pelo ser humano.

Uma delas amplia nossas capacidades físicas, destreza ou resiliência. Exemplos: o arado, o avião, a agulha.

A segunda estende o alcance ou a sensibilidade de nossos sentidos. Exemplos: microscópio, amplificador de som.

Um terceiro conjunto de tecnologias nos permite redefinir a natureza de modo a melhor servir nossos desejos ou necessidades. Exemplos: pílula de controle da natalidade, o milho geneticamente modificado.

O quarto conjunto de tecnologias é justamente o conjunto de tecnologias intelectuais. São todas as ferramentas que nós usamos para auxiliar ou ampliar nossos poderes mentais: para achar e classificar informações, para formular e articular ideias, para compartilhar conhecimento, para tomar medidas e realizar cálculos, para expandir a capacidade de nossa memória.

Vários são os exemplos de tecnologias intelectuais a serviço do ser humano, que fizeram a Humanidade chegar ao nível que ela se encontra hoje: a máquina de escrever, o ábaco, o livro, a escola, a biblioteca, o computador… e a Internet.

De todas as tecnologias intelectuais já inventadas pelo ser humano, Carr destaca que as 3 mais importantes são o alfabeto, o sistema numérico e a Internet.

O poder das tecnologias intelectuais não pode ser desprezado, pois, uma vez popularizadas, elas promovem, frequentemente, novas maneiras de pensar, ou estendem à sociedade em geral tipos de pensamentos que antes estavam limitados a um pequeno grupo, a uma elite.

Apesar de nós invetarmos e moldarmos as tecnologias intelectuais, elas, paradoxalmente, acabam moldando nossos comportamentos, numa via de mão dupla.

Pense, por exemplo, nos mapas e nos relógios, duas das tecnologias intelectuais que foram criadas e aperfeiçoadas pela civilização humana ao longo dos séculos. Você conseguiria imaginar sua vida sem relógio, sem um contador de horas? Tente imaginar como seria sua vida caso ela não fosse governada por essa coisa abstrata chamada tempo.

Hoje, é inconcebível viver sem relógios, pois praticamente todo mundo vive e organiza suas rotinas, seus hábitos, suas atividades, em torno dos relógios.

É um processo que também está ocorrendo com a Internet. À medida que seu uso se populariza e fica mais onipresente na vida das pessoas, é difícil deixar de conviver com ela — e principalmente com os efeitos que ela provoca nos nossos cérebros, mesmo quando não estamos online.

Evolução histórica

Uma das coisas mais fascinantes do livro é demonstrar a evolução do uso das tecnologias intelectuais no decorrer da História. Você sabia que, quando as palavras começaram a ser escritas, quando surgiram os primeiros livros, as pessoas liam em voz alta?

Hoje, soaria ridículo você ver alguém ler em voz alta o que está no celular, no computador ou no livro. Mas antigamente todo mundo lia em voz alta, porque ler demandava um esforço cognitivo imenso (aliás, é fácil perceber isso: pense numa criança sendo alfabetizada: repare que, no começo do processo de aprendizagem, ela só consegue ler em voz alta).

Como os livros praticamente só se restringiam aos monastérios da Idade Média, e só uma pequena elite era alfabetizada, ler era um ato de intenso esforço mental, que tinha que ser feito na base do gogó.

E o ato de ler em voz alta não ocorria apenas de modo privado, mas também em público, já que a quantidade de pessoas alfabetizadas ainda se restringia a uma pequena parcela da população, e a transmissão do conhecimento ainda ocorria de forma predominantemente oral.

Mas antes disso a situação era “pior” ainda (pior do ponto de vista de hoje, claro). As palavras eram escritas todas juntas — scripta continua -, não havia espaços entre as palavras, nem espaço entre parágrafos, como temos na linguagem de hoje.

Aliás, você já parou para pensar como o alfabeto ocidental, tal como o conhecemos hoje, tem pouco menos de 30 caracteres? Por que não 50 letras? Por que não 70 letras? Por que não 100 letras?

Pois é… foi feito um esforço monumental no passado para realizar uma espécie de “economia dos caracteres”, que teve o inegável mérito de reduzir o tempo e a atenção necessários para o rápido reconhecimento de símbolos e, portanto, requeria menos recursos de memória e percepção visual.

A passagem das tradições orais para a palavra escrita — com a consequente inserção do livro no papel central da transmissão do conhecimento (o que só foi possível através da invenção da máquina de imprensa por Gutenberg) -, foi responsável por um dos mais notáveis avanços na História da Humanidade, pois permitiu difundir o conhecimento numa velocidade jamais vista.

Isso proporcionou também uma evolução fisiológica da própria mente humana, já que ler palavras escritas requeria complexas mudanças nos circuitos cerebrais, em não só decifrar e decodificar o conjunto de sinais gráficos refletidos no texto escrito, mas também refletir sobre ele, e meditar sobre seus significados — lembremo-nos que foi nessa época que as pessoas deixaram de ler em voz alta e passaram a ler quietas, em silêncio.

Os pensamentos profundos e ainda mais abstratos passaram a ser possíveis desde então, à medida que a leitura foi: (a) se popularizando, e (b) deixando de ser uma atividade coletiva, feita em voz alta, e passando a ser realizada de forma privada, em silêncio.

Como diz o autor (p. 67): “o alfabeto, um meio de linguagem, encontrou seu meio ideal no livro, um meio de escrita”.

A Internet

E o que tem a Internet a ver com tudo isso? Não é por causa da Internet que as pessoas estão lendo mais?

Sim, não há dúvidas que a Internet, como qualquer tecnologia intelectual criada e aperfeiçoada pelo ser humano, promoveu uma disseminação impressionante do conhecimento, através da palavra escrita nas telas de vidro dos celulares, tablets e computadores.

Porém, a Internet não carrega apenas textos: ela carrega também uma infinidade de outros meios de informação, tudo ao mesmo tempo, tais como sons, vídeos, imagens, hyperlinks etc. E, ao fazer tudo isso numa única tela, o caráter multimídia da Internet fragmenta o conteúdo e atrapalha a concentração.

Compare uma página de livro com uma página de Internet. A página de livro contém apenas texto — e, no máximo, umas imagens. Já uma página de Internet é um emaranhado de textos, imagens, propagandas, links, menus à direta, menus à esquerda, menus em cima, menus embaixo, mais links no final do texto etc. Tudo é feito propositadamente para distrair, capturar e roubar sua atenção.

O problema é agravado pelo fato de que as pessoas não têm mais paciência, concentração e foco de gastar muito tempo numa coisa só: devido aos fatos inerentes à nossa psique, ao fato de querermos sempre recompensas de curto prazo, preferimos ler informações picotadas, que caibam nos 280 caracteres do Twitter, ou externadas em fotos aleatórias no Instagram, ou em mensagens curtas no Facebook ou no WhatsApp.

Mas não só isso: queremos também ser recompensados pelos textos de 280 caracteres que publicamos. Queremos recompensas de curto prazo, na forma de “curtidas”, likes ou joinhas, pelas coisas que escrevemos, publicamos ou postamos. Todos querem chamar sua atenção. Como diz uma frase famosa sobre a economia da Internet:

– “Se uma coisa é de graça, você é o produto”.

A Internet te coisificou. Você não é mais capaz de pensar.

Mas não é só isso. Como subproduto dos efeitos da Internet, aquilo que, no passado, era considerado uma virtude, agora é considerado um vício. Um problema. Houve uma inversão total de valores.

Escrever textos longos no Facebook, por exemplo, ganhou uma conotação pejorativa: quem faz isso faz “textão”, e as pessoas, em sua maioria, passam longe de consumir esse tipo de conteúdo, porque elas querem consumir apenas manchetes, ou bits de informação, e nada mais.

Esse sistema de respostas e recompensas cria um ciclo vicioso, pois encoraja ainda mais ações físicas e mentais destinadas unicamente a saciar a sede por mais novidades desse tipo, sempre no curto prazo: mais respostas e recompensas, todas de caráter efêmero, precário, curto e temporário.

Com o passar do tempo, nos habituamos cada vez mais a consumir informação às tiras, aos pedaços, e, claro, perdemos também, de forma gradual, a paciência, o foco, a disciplina e a concentração em ler e escrever textos longos, que requerem o uso das capacidades mais nobres do cérebro, que são as de refletir de modo profundo, crítico e reflexivo sobre o conhecimento.

Fonte: https://valoresreais.com/2018/06/18/resenha-the-shallows-what-the-internet-is-doing-to-our-brains-de-nicholas-carr/

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